Você já teve a impressão de que a maior parte dos produtos alimentícios anunciados para crianças têm baixo valor nutricional? Pois não é só impressão: os campeões de publicidade infantil nesse setor são cereais açucarados, refrigerantes, doces, salgadinhos e fast food. Além de ser ilegal e abusivo, o anúncio desses itens diretamente para crianças estimula hábitos alimentares não saudáveis na infância. Isso contribui para o aumento de várias doenças crônicas não-transmissíveis, como a obesidade infantil.

No mundo, existem 40 milhões de crianças abaixo de 5 anos com sobrepeso, segundo pesquisa da World Health Organization (WHO) realizada em 2020. O excesso de peso afeta 30,3% das crianças e adolescentes de 5 a 19 anos no Brasil, de acordo com dados do Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes. Além disso, pesquisas mostram que crianças com obesidade infantil têm 5 vezes mais chance de se tornarem adultos com obesidade.

E tem mais: crianças com sobrepeso são suscetíveis a aumentar em 134% o consumo de produtos alimentícios com alto teor de sódio, gorduras trans e saturadas e açúcar quando expostas à publicidade desses itens. Os dados, aliás, são da Pesquisa Targeting Children With Treats.

Sem dúvida, esses são números que assustam. Para reverter esse cenário, é preciso compreender de fato que a obesidade em crianças está relacionada a muitos fatores externos. Um deles, por exemplo, é a força do marketing da indústria alimentícia direcionado ao público infantil, que se faz presente em todas as mídias (inclusive na Internet) e espaços de convivência das crianças. Essa prática abusiva relaciona alimentação ao desejo de consumo, incentivando hábitos não-saudáveis em um público hipervulnerável.

“Nós sabemos, por meio da psicologia do desenvolvimento, que crianças de até 7 ou 8 anos não conseguem distinguir intenções persuasivas. Isso significa que elas enxergam propagandas de cereais açucarados, biscoitos e doces da mesma forma que o Vila Sésamo ensinando o ABC.”

Michael Rich,
pediatra e fundador e diretor do Centro de Mídia e Saúde da Criança, do Hospital de Crianças de Boston

Como a publicidade infantil favorece a obesidade em crianças

Para entender melhor a relação entre publicidade direcionada a crianças e o aumento da obesidade infantil, é preciso identificar as estratégias usadas por algumas marcas. Muitas fazem ações publicitárias camufladas, difíceis de serem percebidas até mesmo por adultos. Colocar produtos alimentícios (principalmente ultraprocessados), por exemplo, em prateleiras baixas nos mercados e com embalagens chamativas para o público infantil. Aliás, essa é outra estratégia: chamar atenção das crianças por meio de embalagens com personagens conhecidos do universo infantil.

Os produtos mais encontrados no alcance das crianças em supermercados são: refrigerantes (28.4%), guloseimas (28%) e cereais açucarados (27.6%).

Fonte: pesquisa “Sobrepeso infantil e o ambiente de varejo na América Latina e Caribe”, do UNICEF.

Além disso, também há outras estratégias de publicidade infantil de produtos alimentícios que precisam ser observadas – e podem ser denunciadas. Um exemplo são os casos de venda de lanches junto com supostos brindes colecionáveis, como faz o McDonald’s. Tanto que a rede de fast-food é também o maior distribuidor de brinquedos do mundo.

Desde 1979, o combo infantil McLanche Feliz é vendido junto com brinquedos – geralmente de plástico. A estratégia, que se trata, de fato, de publicidade infantil, é associar alimentação com entretenimento para criar desejo de consumo. Assim, a empresa não só estimula hábitos alimentares não saudáveis, como ainda prejudica diretamente o meio ambiente.

Algo parecido acontece também no ambiente digital, onde influenciadores mirins incentivam crianças a consumirem alimentos de baixo valor nutricional. E, sem dúvida, muitos desses conteúdos são patrocinados por empresas do ramo alimentício. Foi o que concluiu uma pesquisa da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, publicada em 2020. Os dados mostram que 42,8% dos vídeos mais vistos de jovens influenciadores promoveram algum tipo de comida ou bebida. E, além disso, mais de 90% desses alimentos eram considerados não saudáveis.

O cenário da obesidade infantil no Brasil

A forma perversa como a publicidade infantil se relaciona ao aumento de doenças crônicas não transmissíveis em crianças, como a obesidade e a diabetes, é mostrada em detalhes no documentário Muito Além do Peso, dirigido por Estela Renner e disponível no Videocamp. Além de ouvir famílias, a obra traz depoimentos de representantes escolares, profissionais da saúde, membros do governo e responsáveis pela publicidade de alimentos.

Enquanto retrata o cenário alarmante da obesidade infantil, o documentário revela o papel da publicidade dirigida a crianças nisso. A conclusão é clara: para proteger a saúde dos pequenos, é preciso acabar com toda exploração comercial infantil.

Crianças têm direito a um desenvolvimento saudável e livre de todas as formas de pressão comercial. Pelo bem de sua saúde, a publicidade infantil precisa acabar, de uma vez por todas.

Conheça outras consequências:

Denuncie!

Qualquer pessoa pode denunciar publicidade infantil, e isso é um instrumento muito importante. Afinal, como determina o art. 227 da Constituição Federal, devemos proteger nossas crianças em uma responsabilidade compartilhada. Isto é, empresas, sociedade e Estado devem fazer seu papel, em um conjunto de esforços, pela defesa da infância!

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