Ninguém nasce consumista, muito pelo contrário. O consumismo é uma ideologia, um comportamento que pode ser construído desde muito cedo. E, infelizmente, ele se tornou uma das características culturais mais marcantes do mundo atual. Nessa realidade, as crianças não ficam de fora. Pelo contrário, o consumismo infantil põe em risco seu desenvolvimento saudável e traz consequências para toda a sociedade.

Como estão em uma fase de pleno desenvolvimento, as crianças são hipervulneráveis e absorvem muito facilmente os estímulos que recebem. Aliás, esses comportamentos adquiridos nesse momento, muitas vezes, são levados para toda a vida. Assim, a pressão consumista é uma ameaça para as infâncias e para todos. E é por essas e outras que a publicidade infantil é injusta, antiética, abusiva e ilegal no Brasil.

Como a publicidade direcionada a crianças estimula o consumismo infantil

Imagine ensinar para uma criança que ter vale mais do que ser. Pois é exatamente isso que a publicidade infantil faz. Mensagens comerciais desenvolvidas especificamente para atrair a atenção das crianças costumam atingir facilmente seu objetivo. Para isso, utilizam linguagem e elementos pertencentes ao universo infantil. Alguns exemplos são trilha sonora, animação, apresentadores ou influenciadores digitais famosos entre esse público, entre outros.

“É que muitas vezes quando tem alguns brinquedos lá na TV eu fico com vontade de ter os brinquedos.” (menina, escola pública, São Paulo).
“Eles [anúncios] falam: “Esse brinquedo, ele tem muitas qualidades, ele anda sobre qualquer superfície”. Eles falam coisas assim, que influenciam a gente a querer comprar.” (menina, escola particular, Fortaleza)

Fonte: pesquisa Publicidade Infantil em Tempos de Convergência, feita em 2014, pelo LabGrim da UFC

As crianças também se sentem mais atraídas por produtos e serviços que sejam associados a personagens populares, brindes, jogos e embalagens chamativas. Assim, o estímulo consumista não se limita a anúncios tradicionais, mas, também, a embalagens e promoções em lanchonetes e outros pontos de venda.

Ao mesmo tempo, no meio digital, a publicidade aparece cada vez mais misturada a conteúdos de entretenimento. Tanto que, na maioria das vezes, é difícil até para um adulto identificar esse tipo de estratégia. É o caso de conteúdos patrocinados em redes sociais com influenciadores mirins ou vídeos de unboxing, por exemplo.

A verdade inaceitável é que, mesmo sendo ilegal, as crianças ainda estão superexpostas a várias formas de publicidade infantil, em todos os lugares, inclusive na Internet!

Os inúmeros prejuízos do consumismo infantil

O contato, muitas vezes diário, com a pressão consumista, estimula as crianças a acreditarem que só é possível se divertir ou “ser legal” consumindo determinado produto ou serviço. Afinal, a opinião dos amigos também exerce forte influência – e as empresas anunciantes sabem bem disso.

É comum vermos crianças fazendo pedidos insistentes, o conhecido “fator amolação”, por determinados produtos que os adultos sequer conhecem. Ou, ainda, se comportando conforme influenciadores digitais mirins, divulgando marcas ao abrirem brinquedos novos ou mesmo durante suas brincadeiras.

Se pararmos para observar, em contato com publicidade infantil, muitas crianças passam a imitar comportamentos consumistas em vez de brincarem livremente ou exercitarem sua imaginação. Isso acontece diante dos nossos olhos e precisa acabar de uma vez por todas.

71% das crianças ficam tristes por não poder comprar algo que viram em publicidades na internet

Fonte: pesquisa TIC Kids Online Brasil 2018, feita pelo Comitê Gestor da Internet – CGI

A quem interessa o consumismo infantil?

As marcas que exploram a vulnerabilidade das crianças fazem isso em nome de seus próprios interesses comerciais, é claro. Com isso, o melhor interesse das pequenas e dos pequenos fica em segundo plano. Isso acontece porque o mercado vê o público infantil como consumidores em formação e potenciais influenciadores dos processos de compra da família.

Nossas crianças, desde a mais tenra idade, são ensinadas a serem clientes”.

Ailton Krenak
(em seu livro “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”)

Carros, roupas, alimentos, eletrodomésticos, enfim, quase tudo dentro de uma casa tem por trás o palpite das crianças. E elas ainda podem se tornar consumidoras fiéis da marca por toda a vida quando impactadas por anúncios na infância.

Por meio da publicidade infantil e outras formas de exploração comercial infantil, crianças estão sendo, cada vez mais cedo, chamadas a participar do universo adulto das relações de consumo sem que estejam efetivamente preparadas para isso.

Ou seja, muitas empresas ainda acham que desrespeitar a infância pode ser um negócio bastante lucrativo, que compensa os riscos e consequências a toda a sociedade.

“Nove em cada dez pais (88%) são influenciados pelos filhos quando estão fazendo compras no supermercado”

Fonte: pesquisa Crianças Brasileiras, feita em 2019, pelo Instituto Locomotiva em parceria com a empresa Dotz

Por infâncias livres do consumismo

O consumismo infantil é uma questão urgente, de extrema importância e interesse de todos. Além disso, ela não envolve apenas a educação escolar e doméstica, embora possa parecer. Afinal, ensinar as crianças a consumir de forma inconsequente faz com que elas desenvolvam critérios e valores distorcidos e insustentáveis.

Isso pode gerar ou acentuar o estresse familiar e o superendividamento das famílias. Além disso, gera impactos na saúde infantil e no meio ambiente, entre outras consequências.

Ou seja, o consumismo infantil é um problema ético, econômico e social. Assim, acabar com a pressão consumista estimulada pela publicidade infantil é cortar pela raiz uma lógica destrutiva. As infâncias precisam ser, de fato, preservadas, como determina a nossa legislação. Dessa forma, os danos causados pela lógica insustentável do consumo irracional e excessivo podem ser evitados ou, pelo menos, minimizados.

É por isso que devemos exigir o fim de toda forma de exploração comercial infantil. É necessário que cidadãos, empresas, poder público e a sociedade como um todo estejam unidos para proteger as crianças da pressão consumista. Indivíduos conscientes e responsáveis são a base de uma sociedade mais justa e fraterna, que tenha a qualidade de vida não apenas como um conceito a ser perseguido, mas também uma prática a ser vivida.

Conheça outras consequências:

Denuncie!

Qualquer pessoa pode denunciar publicidade infantil, e isso é um instrumento muito importante. Afinal, como determina o art. 227 da Constituição Federal, devemos proteger nossas crianças em uma responsabilidade compartilhada. Isto é, empresas, sociedade e Estado devem fazer seu papel, em um conjunto de esforços, pela defesa da infância!

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