Pode até parecer estranho, de fato, mas aprender sobre frustração deve fazer parte da infância para um desenvolvimento pleno. De acordo com Cesar Ibrahim, psicanalista mestre em psicologia, a criança precisa se frustrar. Cesar explicou, nesta entrevista concedida ao Criança e Consumo em 2010*, que a fantasia da felicidade constante, ideia muito vendida pela publicidade, pode ser extremamente nociva à saúde emocional infantil.
Ibrahim atende crianças, jovens e adultos desde que iniciou sua carreira com atendimento de terapia familiar. Além disso, o psicanalista participa de atividades em universidades, com educadores e outros profissionais que lidam com o público infanto-juvenil. Cesar pesquisa principalmente sobre formação de crianças em uma cultura que exacerba a fantasia da vida excepcionalmente feliz e indolor.
Criança e Consumo – Temos, hoje, muitos problemas na formação da criança decorrentes do consumismo, incentivado em nossa sociedade de diversas formas. O consumo é um assunto relevante nos grupos que você atende?
Cesar Ibrahim – A questão do consumo aparece, mas não de maneira tão direta. Entretanto, o consumismo está presente o tempo todo na relação do jovem com o mundo e de diversas formas. Os tempos atuais, ditos como mais hedonistas, marcaram por completo a relação da família com os filhos. Privilegia-se, quase o tempo inteiro, a relação das crianças e dos adolescentes com o prazer. Sendo assim, a preocupação fundamental dos pais de classe média, principalmente nos centros urbanos do mundo ocidental, é a felicidade dos filhos, ou melhor, a ideia do que é felicidade.
CeC – Que impacto essa preocupação excessiva em fornecer felicidade aos filhos pode ter no desenvolvimento infantil já que a criança precisa se frustrar?
CI – De maneira geral, essa marca da cultura está diretamente ligada ao imediatismo do prazer. Isso, é claro, vai se desdobrar na relação com o consumo. O desejo tende a ser satisfeito sob essa forma materializada, que tem um movimento compulsivo – já que, na verdade, ela é insaciável. O jovem, que troca o tempo todo o seu objeto de desejo, no fundo persegue a fantasia idealizada de que haverá uma forma de obter prazer quase sempre com caráter imediato. Como se isso pudesse, de fato, compor essa pseudo felicidade. O processo funciona como se fosse uma missão que os pais atribuem a si mesmos para proporcionar uma existência quase analgésica aos filhos, ou seja, uma existência indolor, que não inclui a frustração.
CeC – Você pode dar exemplos dessa relação entre a busca da felicidade e o consumo?
CI – Um exemplo frequente é a vontade de trocar de celular, novos produtos eletroeletrônicos ou qualquer outro objeto de consumo. Essa vontade se coloca a serviço dessa ideologia. De fato, os pais estão, a princípio, muito bem-intencionados, querendo promover a felicidade dos filhos a todo custo. Mas eles não sabem o que fazer e nem como fazer. Os pais acreditam que, se puderem fazer os filhos atravessarem a infância sem dor, sua missão será cumprida. No fundo, sabemos que é exatamente o contrário. Para crescer, criança tem que frustrar. Portanto, eventualmente, o desejo deve, sim, ser barrado. Sobre esse assunto, temos o ponto de vista material tanto quanto o ponto de vista emocional, amoroso.
CeC – Na sua opinião, existe, no ambiente escolar, a preocupação em ensinar a lidar com o fracasso?
CI – A escola está cada vez mais articulada nessa necessidade de frustrar, principalmente pela recorrência desse assunto. Existe o comprometimento de mostrar que a vida acadêmica exige muita dedicação e renúncia ao prazer imediato, por exemplo. Freud ressaltava muito a importância de a pessoa renunciar o movimento na direção do desejo para poder crescer. Nesse sentido, é preciso mostrar ao jovem que a renúncia fortalece e projeta o ser humano para o seu desenvolvimento.
CeC – Em seu trabalho nas escolas, existe também a questão do pertencimento. O jovem quer se sentir parte de algum grupo. Ele acaba acreditando que a posse de bens ou o comportamento pode influenciar isso?
CI – Sim, existe. Isso é parte integrante do desenvolvimento. É o que chamamos de tripé da modernidade: fama, beleza e riqueza. O jovem quase sempre busca ser o popular, o bacana, constituir identidade própria. É nesse meio em que ele encontra o seu par. A partir de quem ele busca aceitação e vai constituir a sua identidade e a trajetória a ser seguida. Nesse aspecto, as substâncias químicas, por exemplo, revelam o sintoma social do prazer imediato. Resta saber como a pessoa vai agir diante disso. A questão do consumismo constitui essa busca da humanidade na direção de estabelecer uma relação plena com o prazer absoluto.
A publicidade infantil não ensina sobre frustração saudável
Como Ibrahim afirmou nessa entrevista, a criança precisa se frustrar. Porém, é um mito acreditar que a publicidade infantil possa possibilitar esse aprendizado. O que acontece é exatamente o contrário. Os anúncios direcionados aos pequenos, podem levá-los a acreditar que é preciso consumir para ser completo e feliz. A criança acaba aumentando a quantidade de pedidos insistentes para que seus responsáveis comprem o que foi anunciado a ela. E não basta achar que um simples “não” de mães, pais e familiares, encerram o assunto. Não é essa a frustração, consequência de um desejo de consumo criado por interesses comerciais, que a criança precisa. Por isso, a publicidade infantil é uma prática antiética, além de abusiva e ilegal! As crianças precisam, sim, aprender sobre frustração, mas de maneira natural e com educação, não lidando precocemente com estímulos publicitários.
*Confira a íntegra desta entrevista, que faz parte do Criança e Consumo Vol.7 – Estresse Familiar.