Não é de hoje que crianças têm sido incessantemente estimuladas pelo mercado ao comportamento consumista. Colocando interesses comerciais acima do bem-estar das crianças, empresas vêm fazendo isso, há décadas, ao direcionar publicidade ao público infantil. Aliás, o que é uma prática proibida pela legislação brasileira desde 1990. A fim de refletir e defender o direito das crianças a uma infância livre de exploração comercial, o Instituto Alana criou o programa Criança e Consumo. Tudo começou, 15 anos atrás, com o 1º Fórum Internacional Criança e Consumo. Esse evento contou com especialistas, acadêmicos, formadores de opinião e demais interessados em aprofundar essa urgente discussão.
Como foi o 1º Fórum Internacional Criança e Consumo
O evento aconteceu nos dias 28 e 29 de março de 2006, no SESC Avenida Paulista. O fórum teve curadoria de Ana Lucia Villela, fundadora e presidente do Instituto Alana, e de Marcos Nisti, vice-presidente e CEO do instituto. Sua inspiração foi o trabalho da Campaign for a Commercial Free Childhood (CCFC) e de sua fundadora, Susan Linn. CCFC é uma organização estadunidense comprometida a acabar com o marketing direcionado a crianças. Um dos marcos do 1º Fórum Internacional Criança e Consumo, aliás, foi a presença da psicóloga Linn como palestrante e o lançamento do seu livro, “Crianças do Consumo – a infância roubada”, em português.
A advogada Noemi Friske Momberger, outra palestrante do evento, apresentou um panorama legal da proibição à publicidade infantil. Além disso, sua fala também trouxe reflexões do ponto de vista de mãe, que sentia diretamente as consequências dessa prática.
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Por sua vez, a psicanalista e integrante até hoje do Conselho Consultivo do Criança e Consumo, Ana Olmos refletiu sobre a importância das crianças aprenderem a lidar com espera e frustração. Em suas palavras, o marketing passa a mensagem de que “tudo tem que ser o mais rapidamente preenchido”. Por consequência, a publicidade infantil atrapalha o desenvolvimento saudável das crianças, além de desrespeitar seus direitos.
Já Danilo Miranda, diretor do SESC, refletiu sobre cidadania, publicidade e educação. Em sua fala, argumentou sobre a importância da educação infantil e como ela, antes de tudo, é responsabilidade de todos: famílias e educadores, mas também agentes públicos e privados. Assim, Miranda lembrou que “os meios de comunicação educam ou deseducam muito mais do que a gente pode imaginar”. Ou seja, o mercado e suas mídias devem, sim, ser responsáveis por proteger as crianças com absoluta prioridade.
Entre os especialistas palestrantes do evento que marcou a criação do Criança e Consumo, também estiveram: Pedrinho Guareschi (filósofo e conselheiro do Criança e Consumo), Orlando Fantazzini (deputado federal), Flávio Paiva (jornalista e conselheiro do Criança e Consumo), Percival Caropreso (publicitário), Gabriel Chalita (então secretário estadual de Educação), Fernando Hernandez (educador), Lourdes Atié (socióloga), José Augusto Taddei (pediatra), Gisela Sanches (psicanalista), Laurindo Leal (jornalista) e Sérgio Miletto (produtor cultural).
O desafio da publicidade digital já estava presente
Visto que as crianças brasileiras já eram uma das que mais assistiam televisão no mundo e que grande parte da comunicação mercadológica direcionada a elas era por meio da TV, esse foi um dos grande assuntos abordados no 1º Fórum Internacional Criança e Consumo. Durante o evento, Marcos Nisti apresentou o “Desligue a TV”, projeto do Instituto Alana que buscava conscientizar sobre os riscos do hábito excessivo de ver televisão. De lá para cá, muita coisa mudou no mundo e na forma como consumimos mídias e informações. Dessa forma, embora tenha tido grande relevância na época de seu lançamento, o projeto já não existe mais.
Também Susan Linn refletiu, em sua fala, sobre a relação entre crianças e televisão. Entretanto, atenta às tendências que se apresentavam, a psicóloga lançou um alerta para aquele que seria o principal desafio do futuro. “Publicidade em celulares, isso é o que vem em seguida”, disse Linn.
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Hoje em dia, inegavelmente, as telas fazem parte da vida de todos, inclusive das crianças. Sem dúvida, uma realidade que veio para ficar e traz inúmeras oportunidades, além dos riscos. Portanto, as tecnologias digitais devem permitir um uso seguro por crianças. O que também significa deixá-las a salvo de qualquer forma de exploração comercial.
O Criança e Consumo vem trabalhando, desde o início de sua atuação, para garantir que a proibição da publicidade infantil seja efetiva em todas as mídias e espaços de convivência da criança. O que inclui plataformas de vídeos, aplicativos e games. Passados 15 anos, os desafios atuais no campo digital são cada vez maiores, entretanto também há avanços a se comemorar. O mais recente deles é a adoção no novo Comentário Geral do Comitê dos Direitos da Criança da ONU sobre os Direitos da Criança em relação ao ambiente digital, que contou com contribuições diretas do Criança e Consumo. O programa fez parte do grupo de especialistas internacionais que participaram do processo de discussão e elaboração deste documento.
O 1º Fórum Internacional Criança e Consumo discutiu os desafios da época e, ao mesmo tempo, os do futuro. Igualmente, o programa Criança e Consumo segue atuando na vanguarda das discussões sobre consumismo e publicidade infantil. Comprometido com a proteção das crianças no presente, o programa também olha para os riscos do futuro próximo. E, há 15 anos, busca garantir o fim do assédio comercial infantil e dos abusos de empresas.
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