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Retrocesso no Senado: relatório do PL 2628/22 deixa crianças mais vulneráveis à publicidade

Retrocesso no Senado: relatório do PL 2628/22 deixa crianças mais vulneráveis à publicidade

Proposto pelo senador Alessandro Vieira (MDB/SE), o Projeto de Lei (PL) 2628/2022 foi criado para dispor sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. Em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, o relatório reformulado pelo senador Jorge Kajuru (PSB/GO), atual relator do PL, exclui a proibição à publicidade infantil, prevista no artigo 10 do texto inicial, e inclui crianças em rol menos protetivo do art. 11º, destinado, inicialmente, apenas para adolescentes.

Por estarem em um estágio específico de desenvolvimento, crianças e adolescentes devem ser tratados de maneira distinta, e igualá-las em um artigo originalmente criado para proteção de adolescentes reduz a proteção de crianças em relação à publicidade abusiva. Dessa forma, o relatório se mostra menos protetivo que a Constituição Federal, a lei e a jurisprudência vigentes, fazendo com que crianças fiquem mais suscetíveis à exploração comercial na Internet e nos meios digitais.

O que diz o projeto inicial?

Art. 10: Os produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados ou que possam ser utilizados por crianças devem coibir a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica a crianças, com a intenção de persuadi-las para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos.

Art. 11. A prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica a adolescentes deve observar os fundamentos previstos no art. 3º desta Lei (…)

O que propõe o relatório?

A supressão do art. 10º, que coibia a publicidade infantil em produtos e serviços de tecnologia da informação, e a autorização do direcionamento de publicidade a crianças, a partir de sua inclusão no art. 11º.

Publicidade infantil é ilegal

A publicidade infantil é vetada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) desde 1990. O artigo 37 do CDC estabelece que é proibida a publicidade enganosa ou abusiva, inserindo a exploração da “deficiência de julgamento e experiência da criança” como hipótese de abusividade em seu §2º. 

Se as crianças estão em uma etapa especial de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, quando empresas anunciantes produzem conteúdos especificamente voltados a esse público, elas acabam se aproveitando da inexperiência dessa fase da vida. Devido a condição específica que as crianças vivem, elas não possuem plenas condições de perceber o caráter persuasivo da comunicação publicitária e refletir criticamente sobre o consumo de um produto. 

É contra a jurisprudência das Cortes Superiores

O Superior Tribunal de Justiça proíbe quaisquer campanhas publicitárias que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil. O Tribunal entende que a publicidade é uma oferta, um negócio jurídico precursor da celebração de contrato de consumo, e por isso, não deve ser direcionada às crianças, ao fazê-las agirem como se fossem plenamente capazes, sem serem. (STJ, REsp 1613561/SP).

Induz a criança ao erro e ignora que ela não é capaz de resistir à pressão de consumo

Um parecer do Conselho Federal de Psicologia destaca que a publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro as crianças até os 12 anos, quando não possuem todas as ferramentas necessárias para compreender o real; que as crianças não têm a mesma capacidade de resistência mental e de compreensão da realidade que um adulto; e que as crianças não têm condições de enfrentar com igualdade de força a pressão exercida pela publicidade no que se refere aos estímulos ao consumo. 

É prejudicial para a saúde das crianças

A publicidade infantil pode ser atrelada a uma série de problemas sociais que atingem o coletivo. Diversos estudos* relacionam, por exemplo, o aumento das taxas de obesidade na infância com a publicidade infantil de produtos alimentícios com altos teores de gorduras, açúcar, sódio ou com baixo valor nutricional.

É prejudicial para famílias

As crianças são utilizadas como poderoso vetor de influência dos hábitos de consumo das mães, pais e responsáveis. Por essa razão a publicidade infantil tem por objeto, muitas vezes, produtos não destinados à utilização por crianças, gerando pressão de consumo em casa e induzindo famílias a consumirem o que é desnecessário.

É prejudicial para o meio ambiente

Não podem ser ignorados os impactos ambientais relacionados ao fomento de uma cultura consumista e materialista desde os primórdios da vida. O consumo nos grandes centros urbanos tem sido um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global: cerca de 10% das emissões totais de gases estufa estão relacionadas ao consumo nessas cidades. A pesquisa “Infância Plastificada” (2020) estimou que, entre 2018 e 2030, serão descartadas 582 mil toneladas de embalagens de brinquedos no país, produtos cujo consumo é impulsionado pela publicidade infantil. 

É contra a própria noção de livre mercado

As vulnerabilidades próprias da infância são exploradas pelas empresas anunciantes não apenas para incentivá-las ao consumo, mas também para fidelizá-las desde cedo como consumidoras de uma determinada marca ou produto.

Pode reforçar modelos de desenvolvimento tecnológico que são prejudiciais para crianças

A legislação proposta no relatório pode incentivar a proliferação de modelos de negócio que visem manter a criança exposta à publicidade, e não ao seu bem estar. Há uma pressão internacional contra a exploração comercial e do bem estar de crianças e adolescentes no Norte Global. O Brasil não pode, nem deve, se distanciar desse movimento. 

O que o Instituto Alana propõe?

  • A rejeição da emenda proposta pelo Relatório Legislativo do senador Jorge Kajuru, emitido no âmbito da CCJ, que propõe a alteração do art. 11 do Projeto de Lei nº 2628/22, a fim de incluir “crianças” e, que, com isso, legaliza o direcionamento de publicidade para crianças em produtos e serviços de tecnologia da informação, sendo flagrantemente ilegal e em oposição à jurisprudência nacional dos Tribunais Superiores;
  • A rejeição da emenda proposta pelo Relatório Legislativo do senador Jorge Kajuru, emitido no âmbito da CCJ, que determina a supressão do art. 10º da redação do Projeto de Lei nº 2628/22, garantindo a manutenção do caput do artigo; 
  • A incorporação, no texto do Projeto de Lei, de obrigações aos provedores de produtos e serviços de tecnologia de monitorar, identificar e remover publicidade abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor;
  • A realização de audiências públicas ou ciclos de debates temáticos, no âmbito da tramitação do Projeto de Lei nº 2628/22, do Senado Federal, de forma a abordar as temáticas relativas às melhores práticas da regulação internacional de produtos e serviços digitais visando a defesa de direitos de crianças e adolescentes, contando, ainda, com a participação e voz de crianças e adolescentes no debate legislativo.

Proteger a criança e o adolescente é uma tarefa de todo mundo

O artigo 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

Acesse a Nota conjunta sobre o relatório do Projeto de Lei nº 2628/2022 (CCJ-Senado): “Proteger crianças sem retroceder em seus direitos”

Acesse a versão completa da Manifestação sobre relatório do Projeto de Lei nº 2628/2022 (CCJ-Senado) realizada pelo Instituto Alana.

*Vide: “The impact of food advertising on childhood obesity“; e “C40. More than 4 billion people – half of the world’s population – live in cities”. Disponível em: <https://www.c40.org/news/consumption-emissions-report-spotlight/> Acesso em: 27 out. 2023.

Publicado em: 1 de dezembro de 2023

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