{"id":9315,"date":"2017-02-01T08:51:06","date_gmt":"2017-02-01T11:51:06","guid":{"rendered":"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/?p=9315"},"modified":"2022-10-17T14:51:28","modified_gmt":"2022-10-17T17:51:28","slug":"no-tempo-das-coisas-esquecemos-o-que-e-ser-crianca","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/noticias\/no-tempo-das-coisas-esquecemos-o-que-e-ser-crianca\/","title":{"rendered":"No \u2018tempo das coisas\u2019, esquecemos o que \u00e9 ser crian\u00e7a"},"content":{"rendered":"
por Carolina Prestes*<\/em><\/strong><\/p>\n Desde o ber\u00e7o, crian\u00e7as s\u00e3o vistas como consumidoras e sofrem com o encurtamento da inf\u00e2ncia.<\/em><\/p>\n O pensador franc\u00eas Guy Debord, conhecido pela obra \u2018A Sociedade do Espet\u00e1culo<\/strong>\u2019, sugere que vivemos em um \u201ctempo das coisas\u201d, em que reinam as \u201cleis das mercadorias\u201d. A coloca\u00e7\u00e3o \u00e9 pertinente e cabe ao contexto em que todos n\u00f3s estamos inseridos: um contexto conduzido pela l\u00f3gica do consumo<\/strong>, que atrela praticamente todas as experi\u00eancias humanas \u00e0 aquisi\u00e7\u00e3o de bens materiais, refor\u00e7ando a ideia de que para \u2018ser, \u00e9 preciso \u2018ter\u2019.<\/p>\n Para sustentar este \u2018tempo das coisas\u2019, a publicidade surge como ferramenta essencial. Por meio das imagens e dos discursos publicit\u00e1rios, as ind\u00fastrias de produtos e servi\u00e7os garantem seus fluxos de venda e tamb\u00e9m o lucro. Utilizando associa\u00e7\u00f5es de ordem afetiva, os profissionais das grandes ag\u00eancias esfor\u00e7am-se, diariamente, para descobrir a melhor maneira de mobilizar o espectador para o consumo.<\/p>\n As mensagens que nos alcan\u00e7am, por\u00e9m, s\u00e3o resignificadas. Muitas vezes as criticamos e ignoramos \u2013 ou exigimos que novas condutas sejam estabelecidas (como no caso das propagandas de cerveja, extremamente machistas e que, ap\u00f3s a rea\u00e7\u00e3o da sociedade, tiveram sua linha criativa revisitada).<\/p>\n Veja tamb\u00e9m<\/strong>: Isso evidencia que os processos comunicativos s\u00e3o rela\u00e7\u00f5es de m\u00e3o dupla, permeadas por constantes di\u00e1logos de tens\u00e3o e negocia\u00e7\u00e3o. Contudo, quando olhamos para as crian\u00e7as, a rela\u00e7\u00e3o entre emissor e receptor toma outra forma \u2013 talvez n\u00e3o t\u00e3o equitativa quanto \u00e0 que se estabelece entre adultos, que s\u00e3o capazes de resistir, argumentar, reivindicar ou protestar, caso seja necess\u00e1rio.<\/p>\n Adultos que t\u00eam a crian\u00e7a como foco de sua cria\u00e7\u00e3o publicit\u00e1ria\u00a0precisam compreender que a rela\u00e7\u00e3o que se estabelece \u00e9 desigual, configurando-se, inclusive, como\u00a0abusiva<\/a>. Isso porque a crian\u00e7a est\u00e1 em desenvolvimento e, portanto \u2013 ainda vulner\u00e1vel aos ass\u00e9dios da comunica\u00e7\u00e3o mercadol\u00f3gica, que a seduz sem que ela possa compreender em que tipo de circuito est\u00e1 sendo inserida: um circuito de consumismo que a concebe, desde o ber\u00e7o, como consumidora.<\/p>\n Neste cen\u00e1rio, o imagin\u00e1rio da crian\u00e7a \u00e9 atravessado, cotidianamente, pelos discursos comerciais, que estabelecem jeitos de ser, de sentir, de viver e de ser feliz: todos atrelados aos sonhos de consumo. A ideia de felicidade, ent\u00e3o, \u00e9 associada a um brinquedo ou \u00e0 visita a um parque tem\u00e1tico, a uma roupa ou a um sapato espec\u00edfico. E o mais alarmante n\u00e3o est\u00e1 no consumo material, mas no simb\u00f3lico: quais os valores que ensinamos \u00e0s crian\u00e7as quando a inserimos neste circuito de consumismo desde cedo? Os valores de um mundo acelerado, que estima ac\u00famulos, descartes, velocidade, competi\u00e7\u00e3o; valores que nos afastam daquilo que \u00e9 essencial \u00e0 inf\u00e2ncia.<\/p>\n Esse texto, ent\u00e3o, \u00e9 um convite para todos aqueles que, de alguma forma, est\u00e3o envolvidos com a comunica\u00e7\u00e3o mercadol\u00f3gica voltada \u00e0 crian\u00e7a. E se, antes de olharmos para elas como consumidoras, compreendermos seu potencial criador? E se entendermos que para terem sua alma e imagina\u00e7\u00e3o alimentadas, n\u00e3o precisam dos excessos e hiperestimulos provocados pelos grandes espet\u00e1culos midi\u00e1ticos, mas das coisas mais simples, como espa\u00e7os abertos, natureza e tamb\u00e9m do \u00f3cio?<\/p>\n O tempo da crian\u00e7a \u00e9 outro \u2013 ela quer descobrir todas as verdades do mundo e, para isso, suas pesquisas s\u00e3o longas, minuciosas, exigem entrega, e dificilmente ser\u00e3o supridas por telas, montanhas de brinquedos, ou passeios em corredores de shoppings centers. O que a crian\u00e7a precisa para se estruturar como ser humano est\u00e1 na simplicidade, e n\u00e3o na explos\u00e3o de cores e sons de um brinquedo de pl\u00e1stico, vendido como promessa de felicidade. Isso, ao contr\u00e1rio, direciona e empobrece a imagina\u00e7\u00e3o criadora que habita a inf\u00e2ncia.<\/p>\n Experi\u00eancias que n\u00e3o carregam os valores do consumismo deixam a crian\u00e7a livre para que possa descobrir seus desejos de dentro para fora, sem ser pressionada por padr\u00f5es midi\u00e1ticos, que moldam e legitimam formas de viver e, tantas vezes, encurtam a inf\u00e2ncia, ao incentivar, por exemplo, a erotiza\u00e7\u00e3o precoce.<\/p>\n Claro que n\u00e3o podemos isol\u00e1-las do entorno, muito pelo contr\u00e1rio, elas devem, para o seu desenvolvimento saud\u00e1vel, criar la\u00e7os com os territ\u00f3rios aos quais pertencem. Os saberes e as produ\u00e7\u00f5es das crian\u00e7as, inclusive, est\u00e3o profundamente enraizados na sociedade. Por isso, como adultos, precisamos escolher o que apresentar a elas, considerando seu per\u00edodo particular de constitui\u00e7\u00e3o como sujeito.<\/p>\n A m\u00eddia e os processos de midiatiza\u00e7\u00e3o s\u00e3o grandes reguladores dos modos de ser crian\u00e7a, contudo, podemos quebrar este ciclo se nos propusermos a entender a ess\u00eancia da inf\u00e2ncia: uma crian\u00e7a n\u00e3o precisa dos excessos produzidos pela ind\u00fastria, mas sim de liberdade, de autonomia, de tempo livre, condi\u00e7\u00f5es contr\u00e1rias ao consumismo.<\/p>\n
\n–\u00a0O que esperar de 2017 na garantia de uma inf\u00e2ncia sem consumismo?<\/a>
\n– Artigo: \u2018Siga o Dinheiro\u2019,\u00a0por Martin Schmalzried<\/a>
\n–\u00a0Brinquedos conectados \u00e0 internet violam direitos da crian\u00e7a<\/a><\/p>\n