{"id":15747,"date":"2018-02-09T08:49:53","date_gmt":"2018-02-09T11:49:53","guid":{"rendered":"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/?p=15747"},"modified":"2022-10-17T14:50:28","modified_gmt":"2022-10-17T17:50:28","slug":"cerveja-nao-e-alcool-para-publicidade-mas-deveria","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/noticias\/cerveja-nao-e-alcool-para-publicidade-mas-deveria\/","title":{"rendered":"Cerveja n\u00e3o \u00e9 \u00e1lcool, mas deveria"},"content":{"rendered":"
Entenda por que a bebida mais consumida no Brasil \u00e9 exclu\u00edda das restri\u00e7\u00f5es de publicidade em Lei e o impacto disto para crian\u00e7as e adolescentes.<\/em><\/p>\n <\/p>\n O Carnaval<\/strong> se aproxima e aumenta o volume de publicidade de cerveja nos meios de comunica\u00e7\u00e3o. H\u00e1 veicula\u00e7\u00e3o de campanha em ponto de \u00f4nibus, na TV, no r\u00e1dio, nos blocos Brasil afora. A cerveja est\u00e1 sempre associada a festa, confraterniza\u00e7\u00e3o, amigos, divers\u00e3o e conquista. A bem da verdade, n\u00e3o \u00e9 muito diferente do que se faz na publicidade de demais bebidas alc\u00f3olicas, n\u00e3o fosse por um detalhe: cerveja n\u00e3o \u00e9 considerada bebida alc\u00f3olica para fins de publicidade. E isso pode parecer um detalhe, mas muda tudo, especialmente quando pensamos no impacto na inf\u00e2ncia.<\/p>\n O Brasil conta com uma legisla\u00e7\u00e3o (Lei 9.294\/96) que restringe a publicidade de produtos nocivos, incluindo bebida alc\u00f3olica, mas tamb\u00e9m produtos fum\u00edgeros, medicamentos, terapias e defensivos agr\u00edcolas. Por causa desta lei, n\u00e3o vemos mais publicidade de cigarros na TV. E, no caso de bebidas alc\u00f3olicas, a regula\u00e7\u00e3o estabeleceu que esta deve ocorrer nos hor\u00e1rios com menor probabilidade de atingir crian\u00e7as e adolescentes (entre 21h e 6h). A exce\u00e7\u00e3o est\u00e1 para as bebidas com \u00edndice alc\u00f3olico menor – abaixo de 13 graus Gay Lussac -, em que se enquadram a maioria das cervejas vendidas no Brasil, vinhos e as bebidas alc\u00f3olicas \u00e0 base de destilados, mas misturadas com outros l\u00edquidos, como os \u201cice\u201d e \u201cbeats\u201d.<\/p>\n Isto significa que a publicidade dessas bebidas, entre elas a mais consumida no pa\u00eds, a cerveja, pode ser veiculada em QUALQUER hor\u00e1rio na TV e no r\u00e1dio, incluindo o intervalo de transmiss\u00e3o de eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol da Fifa. Isso faz com que crian\u00e7as e adolescentes estejam muito mais suscet\u00edveis a serem impactados pelas pe\u00e7as e sejam persuadidos a acreditar que consumir cerveja \u00e9 quase uma prerrogativa para a divers\u00e3o.<\/p>\n Uma pesquisa realizada em 2009 <\/a>com 133 adolescentes, com idade entre 14 e 17 anos de idade – mostrou que 79% dos adolescentes haviam assistido previamente, dez vezes ou mais, pelo menos uma das 32 publicidades de cerveja exibidas a eles. Dois ter\u00e7os deles viram ao menos uma das cinco primeiras colocadas mais de dez vezes.<\/p>\n Estudo apresentado pela Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Estudos do \u00c1lcool e Outras Drogas, que levantou 420 horas de programa\u00e7\u00e3o televisiva, identificou que a maioria das publicidades de bebidas ocorre em programas esportivos, com ao menos 10% de audi\u00eancia de jovens. As cervejarias s\u00e3o as empresas que mais investem em publicidade nos intervalos das transmiss\u00f5es de eventos esportivos mundiais como as Olimp\u00edadas e a Copa do Mundo tanto na TV aberta quanto na TV paga, segundo a pesquisa Esporte Clube IBOPE Media, divulgada em 2011.<\/p>\n Para a Sociedade Brasileira de Pediatria, que publicou o Manual de Orienta\u00e7\u00e3o \u201cBebidas Alco\u00f3licas s\u00e3o Prejudiciais \u00e0 Sa\u00fade da Crian\u00e7a e do Adolescente<\/a>\u201d, produzido pelo Departamento Cient\u00edfico de Adolesc\u00eancia, em fevereiro de 2017, \u201ca realidade criada [pela publicidade] \u00e9 diferente da que existe e se cria a ilus\u00e3o do consumo que s\u00f3 tem resultados positivos e nada de negativo, n\u00e3o se mostram doen\u00e7as causadas pelo alcoolismo e nem os acidentes nas ruas e nas estradas, que foram o principal motivo da lei seca, por exemplo. S\u00e3o bilh\u00f5es investidos no consumo e na \u2018busca de alegrias e felicidades\u2019 e as campanhas de preven\u00e7\u00e3o s\u00e3o t\u00edmidas, quando ocorrem, e t\u00eam que competir com todos estes mitos alardeados e sem chances de alterar comportamentos\u201d.<\/p>\n A publica\u00e7\u00e3o cita an\u00e1lise, publicada no Revista Brasileira de Psiquiatria, em 2010, segundo a qual dos cinco temas mais frequentemente encontrados nos comerciais de bebidas alco\u00f3licas, tr\u00eas deles (como relaxamento, camaradagem e humor) eram diretamente relacion\u00e1veis \u00e0s expectativas dos jovens. Assim, a SBP conclui que \u201ca sociedade como um todo adota atitudes paradoxais frente ao tema: por um lado, condena o abuso de \u00e1lcool pelos jovens, mas \u00e9 tipicamente permissiva ao est\u00edmulo do consumo por meio da propaganda\u201d.<\/p>\n Segundo pesquisa divulgada pela Universidade Federal de S\u00e3o Paulo (Unifesp), 80% dos adolescentes j\u00e1 beberam alguma vez na vida e 33% dos alunos do ensino m\u00e9dio consumiram \u00e1lcool excessivamente no m\u00eas anterior \u00e0 pesquisa. Outro estudo, realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) com universit\u00e1rios, mostrou que 22% dos jovens est\u00e3o sob risco de desenvolver depend\u00eancia de \u00e1lcool. Mais um ind\u00edcio: de acordo com o departamento de comunica\u00e7\u00e3o dos Alco\u00f3licos An\u00f4nimos, o n\u00famero de jovens em busca das reuni\u00f5es aumentou significativamente nos \u00faltimos cinco anos.<\/p>\n A Pesquisa Nacional de Sa\u00fade do Escolar (PeNSE) revelou, em 2009, a preval\u00eancia de 27,3% de consumo de \u00e1lcool entre adolescentes. Cerca de tr\u00eas quartos dos adolescentes entre 13 e 15 anos j\u00e1 experimentaram \u00e1lcool, cerca de um quarto bebeu regularmente nos \u00faltimos 30 dias com epis\u00f3dios de embriaguez e 9% relatam ter tido problemas com o \u00e1lcool. Estes dados mostram a extens\u00e3o e gravidade do problema t\u00e3o frequente entre adolescentes brasileiros.<\/p>\n O sexto Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotr\u00f3picas entre Estudantes do Ensino Fundamental e M\u00e9dio das Redes P\u00fablica e Privada, realizado nas 27 capitais brasileiras (dados de 2010) ouviu cerca de 50 mil estudantes. Do total, mais que um quinto dos estudantes (21,1%) tinha consumido \u00e1lcool no m\u00eas da pesquisa.<\/p>\n Jovens entre 14 e 17 anos s\u00e3o respons\u00e1veis pelo consumo de 6% de todo o \u00e1lcool consumido no pa\u00eds, de acordo com a pesquisa, divulgada em 2010, Distribui\u00e7\u00e3o do Consumo de \u00c1lcool e Problemas em Subgrupos da Popula\u00e7\u00e3o Brasileira.<\/p>\n <\/p>\n Tentativa de mudan\u00e7a na Lei<\/strong><\/p>\n <\/p>\n Em dezembro de 2014, a Justi\u00e7a Federal, atendendo o pedido do Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal (MPF) decidiu pela restri\u00e7\u00e3o de publicidade de bebidas de teor alc\u00f3olico igual ou superior a 0,5 grau Gay Lussac, justamente visando a prote\u00e7\u00e3o de crian\u00e7as e adolescentes e a compress\u00e3o do direito Constitucional \u00e0 vida e \u00e0 sa\u00fade, bem como a prioridade absoluta das pol\u00edticas relacionadas \u00e0 inf\u00e2ncia.<\/p>\n No entanto, em abril de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou estender as limita\u00e7\u00f5es \u00e0 publicidade de bebidas com teor alco\u00f3lico superior a 13 graus tamb\u00e9m \u00e0quelas consideradas leves. Todos os oito ministros da Corte que julgaram a a\u00e7\u00e3o consideraram que n\u00e3o houve omiss\u00e3o no caso e que foi uma “escolha” do Legislativo limitar a regulamenta\u00e7\u00e3o sobre a publicidade de bebidas mais fortes. Com a decis\u00e3o, o STF tamb\u00e9m anulou decis\u00f5es judiciais anteriores que restringiam a publicidade de cervejas com o mesmo argumento do MPF.<\/p>\n Em seu voto, a relatora do caso, ministra C\u00e1rmen L\u00facia, citou uma s\u00e9rie de projetos em tramita\u00e7\u00e3o no Congresso que pretendem mudar a lei ainda n\u00e3o aprovados. Ou seja, n\u00e3o existe vontade pol\u00edtica de proteger crian\u00e7as e adolescentes.<\/p>\n Em um esfor\u00e7o de mudar a situa\u00e7\u00e3o, o Minist\u00e9rio P\u00fablico de S\u00e3o Paulo (MP-SP) lan\u00e7ou, em 2013, a campanha “Cerveja Tamb\u00e9m \u00e9 \u00c1lcool” com o objetivo de incluir a cerveja na legisla\u00e7\u00e3o que restringe a publicidade de bebidas alco\u00f3licas.<\/p>\n A campanha prop\u00f5e a altera\u00e7\u00e3o do par\u00e1grafo \u00fanico do artigo 1\u00ba da 9.294\/96 para que as restri\u00e7\u00f5es \u00e0 publicidade passem a abranger toda e qualquer bebida, com gradua\u00e7\u00e3o alco\u00f3lica igual ou superior a 0,5 grau Gay-Lussac, conforme defini\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica do Decreto 6.117\/2007, que institui a Pol\u00edtica Nacional Sobre o \u00c1lcool. Em outubro de 2016, foram colhidas mais de 75 mil assinaturas em prol da altera\u00e7\u00e3o na legisla\u00e7\u00e3o e outros estados, como Minas Gerais, aderiram \u00e0 campanha.<\/p>\n Ainda assim, o tema vem sendo ignorado pelo Congresso brasileiro e exige um esfor\u00e7o de conscientiza\u00e7\u00e3o e mobiliza\u00e7\u00e3o bastante grande para que suplante a vontade daqueles que preferem deixar tudo como est\u00e1, a despeito da prioridade da prote\u00e7\u00e3o de crian\u00e7as e adolescentes.<\/p>\n <\/p>\n Autorregula\u00e7\u00e3o \u2013 excluir apenas o inaceit\u00e1vel<\/strong><\/p>\n <\/p>\n Em 2013, o Conselho Nacional de Autorregulamenta\u00e7\u00e3o Publicit\u00e1ria (Conar) atualizou seu c\u00f3digo e incluiu a proibi\u00e7\u00e3o de que publicidade de \u00e1lcool utilize animais \u201chumanizados\u201d, bonecos ou anima\u00e7\u00f5es que possam despertar a curiosidade ou a aten\u00e7\u00e3o de crian\u00e7as, em fun\u00e7\u00e3o dos questionamentos acerca de pe\u00e7as que contavam com anima\u00e7\u00f5es de tartaruga e siri para vender cerveja. Tamb\u00e9m proibiu que pessoas com – ou com apar\u00eancia de – menos de 25 anos apare\u00e7am na publicidade de bebidas alc\u00f3olicas.<\/p>\n Claro que a publicidade n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico fator que leva crian\u00e7as e jovens a consumirem bebidas alc\u00f3olicas, mas \u00e9 um dos fatores e, portanto, merece aten\u00e7\u00e3o. A pr\u00f3pria Organiza\u00e7\u00e3o Mundial da Sa\u00fade aponta regula\u00e7\u00e3o estatal da publicidade de bebidas alc\u00f3olicas como uma das formas de combater os males sociais que este tipo de produto pode causar<\/a>.<\/p>\n O Carnaval \u00e9 um momento de celebra\u00e7\u00e3o e festividades, mas \u00e9 tamb\u00e9m uma oportunidade para observarmos em quais circunst\u00e2ncias e locais a publicidade de \u00e1lcool est\u00e1 sendo veiculada e, portanto, qual p\u00fablico pode ser atingido. H\u00e1 que se considerar que temos um problema crescente acontecento e \u00e9 preciso responder a isso em todas as frentes poss\u00edveis.<\/p>\n