{"id":14626,"date":"2017-10-30T09:05:32","date_gmt":"2017-10-30T12:05:32","guid":{"rendered":"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/?p=14626"},"modified":"2022-10-17T14:50:32","modified_gmt":"2022-10-17T17:50:32","slug":"saciabilidade-imaginaria","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/noticias\/saciabilidade-imaginaria\/","title":{"rendered":"“SACIabilidade Imagin\u00e1ria”, por Fl\u00e1vio Paiva"},"content":{"rendered":"

Por Fl\u00e1vio Paiva (*)<\/em><\/p>\n

As crian\u00e7as t\u00eam cada vez mais sede de inf\u00e2ncia e fome de brincadeira. Na press\u00e3o do consumismo, meninas e meninos vivem tempos de dificuldade de acesso a momentos de divers\u00e3o, integra\u00e7\u00e3o, sociabilidade, compartilhamentos intuitivos, descobertas e oportunidades imaginativas, onde predomine o idioma do brincar e n\u00e3o haja cobran\u00e7a de desempenho.<\/p>\n

Muitas fam\u00edlias brasileiras est\u00e3o buscando na Festa do Saci alternativas \u00e0 l\u00f3gica dos eventos massificados. Desejam para filhas e filhos, netas e netos, sobrinhas e sobrinhos algo mais acolhedor e descomprimido, que possibilite viv\u00eancias de singularidades est\u00e9ticas e narrativas culturais org\u00e2nicas. Sacizar \u00e9 um verbo levemente conjugado pela meninada em situa\u00e7\u00e3o de agita\u00e7\u00e3o do corpo e da mente.<\/p>\n

A pot\u00eancia do Saci vem da sua origem como ato imaginativo, do seu esp\u00edrito travesso e do espanto como experi\u00eancia l\u00fadica e m\u00edtica. Ele \u00e9 filho da mata, um fauno concebido na fantasia nativa, que ganhou significativas contribui\u00e7\u00f5es afro e europeias. Em tupi-guarani \u00c7aa Cy<\/em> significa \u201colho que assusta\u201d e P\u00e9r\u00e9r\u00e9g<\/em> quer dizer \u201csaltitante\u201d. Era assim que o povo ind\u00edgena fazia refer\u00eancia ao canto agourento que ouvia das aves noturnas.<\/p>\n

O Saci saltita pelas rela\u00e7\u00f5es de coexist\u00eancia entre o real e o imagin\u00e1rio. Foi assim que \u00edndios, emboabas, tropeiros, boiadeiros, escravos transferidos e fugidos, e tantos outros tipos andantes espalharam em redemoinhos migrat\u00f3rios a sua figura por todo o territ\u00f3rio brasileiro, tornando-o um mito integrador e de abrang\u00eancia nacional. Dotado da identidade do m\u00faltiplo, o Saci Perer\u00ea carrega em sua ess\u00eancia variantes sedimentadas conforme o devaneio dos seus narradores.<\/p>\n

A ess\u00eancia ecol\u00f3gica e multi\u00e9tnica do Saci Perer\u00ea foi pesquisada e ressignificada, em 1917, pela inquieta\u00e7\u00e3o de Monteiro Lobato (1882 \u2013 1948), quando o criador do S\u00edtio do Picapau Amarelo delineou os tra\u00e7os essenciais desse personagem que se tornou o mais importante do seres fant\u00e1sticos da cultura brasileira.<\/p>\n

Assim, quando pais, m\u00e3es, educadoras, educadores, cuidadoras e cuidadores percebem os redemoinhos se formando e levam as crian\u00e7as que amam para brincar em ambientes saciz\u00edsticos, est\u00e3o dando a estas a possibilidade de uma incr\u00edvel viv\u00eancia antropol\u00f3gica, onde fluir e interagir com o mito se d\u00e1 em ritual de invers\u00e3o.<\/p>\n

As crian\u00e7as, como os seres imaginantes que s\u00e3o, amam a Festa do Saci porque sentem que nela est\u00e3o protegidas na liberdade do brincar e da brincadeira. Ao serem estimuladas a participar da festa com personagens que elas mesmas podem criar, meninas e meninos brincam com os humores desses personagens e suas miss\u00f5es.<\/p>\n

A figura do saci \u00e9 t\u00e3o impressionante que nem precisa estar materializada na festa para afirmar sua sustenta\u00e7\u00e3o social e cultural. Basta um vento que passa, um vulto que se mexe, um som esquisito que ecoa para o saci anunciar sua presen\u00e7a, transitando pelo fluxo interior dos participantes e provocando o maior alvoro\u00e7o imaginativo.<\/p>\n

Uma sacizada permite a participa\u00e7\u00e3o das crian\u00e7as como elas s\u00e3o em seus sonhos, seus encantamentos e formas de apropria\u00e7\u00e3o do mundo, em um alegre reatar de la\u00e7os de amizade entre si e com a natureza, uma situa\u00e7\u00e3o de viv\u00eancia na qual os elementos significantes interagem e o conceito de verdade \u00e9 embaralhado no redemoinho simb\u00f3lico que o girosc\u00f3pio do mito possibilita.<\/p>\n

As divers\u00f5es saciz\u00edsticas sempre estiveram associadas ao folclore. Em 2003, estimulada por uma dana\u00e7\u00e3o do jornalista Mouzar Benedito, a Sosaci (Sociedade de Observadores de Saci) prop\u00f4s aos interessados no fortalecimento da cultura brasileira que se passasse a comemorar o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, em contraponto ao avan\u00e7o por todo o Brasil das festas de Halloween<\/em> com seus personagens-produto e fantasias padronizadas.<\/p>\n

Veja tamb\u00e9m:<\/strong><\/p>\n

– Di\u00e1logos sobre uma inf\u00e2ncia conectada<\/a>
\n–\u00a0OAB lan\u00e7a campanha “Por uma inf\u00e2ncia Livre de Publicidade”<\/a>
\n– Mattel desiste de lan\u00e7ar assistente digital de pais nos Estados Unidos<\/a><\/p>\n

Em 2007, motivado por essa provoca\u00e7\u00e3o da Sosaci e pelo trabalho do projeto Crian\u00e7a e Consumo, do Instituto Alana, escrevi e compus o livro-cd A Festa do Saci (Cortez Editora), no qual crian\u00e7as livres do consumismo se unem a seres fant\u00e1sticos de todo o planeta para libertar o Saci das amarras conceituais do folclore, e com ele vivenciar o tempo presente.<\/p>\n

As experiencia\u00e7\u00f5es de sacizadas das quais participei a partir da publica\u00e7\u00e3o desse livro-cd, muitas delas como realizador ou curador, me mostraram que a Festa do Saci \u00e9 quintal, p\u00e1tio, pra\u00e7a e parque, enquanto o Halloween \u00e9 shopping center, sal\u00e3o de festas e buffet<\/em>. Saci \u00e9 coisa de brincante e Halloween<\/em> \u00e9 entretenimento. Um tem cheiro, forma e movimenta\u00e7\u00e3o diferente em cada lugar, enquanto o outro \u00e9 tudo igual. Isso me animou a escrever e compor em 2012 o livro-cd Se Voc\u00ea Fosse um Saci (Armaz\u00e9m da Cultura), em cujas p\u00e1ginas a figura do saci n\u00e3o precisa aparecer para que ele possa ser o protagonista.<\/p>\n

A manifesta\u00e7\u00e3o mais aut\u00eantica da inf\u00e2ncia na Festa do Saci acontece quando as crian\u00e7as aceitam naturalmente a companhia de um amigo que n\u00e3o existe, que para estar presente n\u00e3o precisa necessariamente ser um boneco. A apari\u00e7\u00e3o do Saci pode se dar com uma chuva de gorros \u2013 e, a\u00ed, cada crian\u00e7a se assume Perer\u00ea \u2013, ou simplesmente nas palavras das hist\u00f3rias, nos cheiros e nos ventos. A imagina\u00e7\u00e3o \u00e9 a energia essencial na constru\u00e7\u00e3o de sentido de uma sacizada.<\/p>\n

O Saci \u00e9 um anti-her\u00f3i dos tempos atuais, uma figura que aproxima pessoas de todas as faixas et\u00e1rias pela essencialidade da natureza l\u00fadica mais profunda. A Festa do Saci \u00e9 uma festa de cria\u00e7\u00e3o e de fortalecimento de v\u00ednculos significativos, no sentido pleno da espontaneidade, da alegria e da liberdade que se constr\u00f3i na concerta\u00e7\u00e3o das diferen\u00e7as.<\/p>\n

A Festa do Saci pode integrar v\u00e1rios momentos da vida social e cultural brasileira. No Carnaval, pode ser bloco de Saci; na Semana do Meio Ambiente, festan\u00e7a dos defensores das matas; na Semana do Folclore, festival de mitos populares; no m\u00eas das Crian\u00e7as, sacizadas e feiras de trocas de brinquedos; na Semana da Consci\u00eancia Negra, patuscada de Ossa\u00edn; e no Ano Novo, celebra\u00e7\u00e3o da paz.<\/p>\n

O Saci Perer\u00ea \u00e9, por natureza, um ente coletivo e, como tal, instiga o simb\u00f3lico em diversos dom\u00ednios. Ele encanta n\u00e3o s\u00f3 por ter como mecanismo propulsor o invis\u00edvel que se torna vis\u00edvel no imagin\u00e1rio e o irreal que se torna concreto na cren\u00e7a, mas por representar com autenticidade a sociedade que o criou. E isso torna o fen\u00f4meno da SACIabilidade indispens\u00e1vel \u00e0 necess\u00e1ria aragem do imagin\u00e1rio brasileiro e \u00e0 fartura de inventividade das crian\u00e7as.<\/p>\n

____________________<\/p>\n

(*) Fl\u00e1vio Paiva \u00e9 jornalista, colunista semanal do caderno Vida & Arte do jornal O Povo, ativista de sacizada e membro do conselho do Projeto Crian\u00e7a e Consumo do Instituto Alana.<\/p>\n

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Por Fl\u00e1vio Paiva (*)<\/p>\n","protected":false},"author":8,"featured_media":14627,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"inline_featured_image":false,"_themeisle_gutenberg_block_has_review":false,"footnotes":""},"categories":[127],"tags":[],"yoast_head":"\n"SACIabilidade Imagin\u00e1ria", por Fl\u00e1vio Paiva - Crian\u00e7a e Consumo<\/title>\n<meta name=\"robots\" content=\"index, follow, max-snippet:-1, max-image-preview:large, max-video-preview:-1\" \/>\n<link rel=\"canonical\" href=\"https:\/\/criancaeconsumo.org.br\/noticias\/saciabilidade-imaginaria\/\" \/>\n<meta property=\"og:locale\" content=\"pt_BR\" \/>\n<meta property=\"og:type\" content=\"article\" \/>\n<meta property=\"og:title\" content=\""SACIabilidade Imagin\u00e1ria", por Fl\u00e1vio Paiva\" \/>\n<meta property=\"og:description\" content=\"Muitas fam\u00edlias brasileiras est\u00e3o buscando na Festa do Saci alternativas \u00e0 l\u00f3gica dos eventos massificados. 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