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Imagem de várias cabeças de boneca sobre fundo rosa

No dia das mulheres, um único pedido: respeitem nossa infância

Imagem de várias cabeças de boneca sobre fundo rosa

No dia das mulheres, um único pedido: respeitem nossa infância

 

* Por Amanda Stabile, Carla Baranzini e Isabela Minelli

 

Hoje, celebramos o Dia Internacional da Mulher e é indiscutível a necessidade de falarmos sobre os desafios de ser mulher em uma sociedade desigual e sexista, como a brasileira – barreiras que podem ser dobradas ou até quadruplicadas dependendo da cor da sua pele, condição financeira e localização geográfica. Dentre os diversos temas que essa data traz à tona, entendemos ser necessário, também, discutir como a mídia e a publicidade infantil são capazes de encurtar a infância, sobretudo a das meninas, por meio da adultização e da erotização precoce.

Durante a infância, desenvolvemos habilidades cognitivas, emocionais, sociais e físicas que influenciam, e muito, os adultos que nos tornaremos. Exatamente por isso, é fundamental que crianças cresçam sem pressa, em ambientes seguros e protegidos, onde possam, simplesmente, vivenciar essa etapa, brincando e exercitando sua criatividade. Porém, infelizmente, diversas questões e situações abreviam essa fase.

Por meio da adultização, por exemplo, a mídia e a publicidade atribuem às crianças características e papéis não condizentes com a sua faixa etária, o que, de acordo com estudo desenvolvido pela Universidade Federal de Pelotas em 2017, significa uma abreviação ou anulação da própria infância e dos comportamentos típicos da menina nesta fase, pois passa a ideia de que a criança deve abdicar do “brincar”, de sujar-se, de correr, dentre outras atividades, dando lugar a outros comportamentos que a criança só adotaria, normalmente, na adolescência ou na fase adulta.

A erotização, por sua vez, objetifica o corpo das meninas, atropelando fases de desenvolvimento. Como exemplo prático, podemos citar a campanha feita pela Grendene em 2009, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em dezembro de 2018, em que a fabricante de calçados foi multada pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon/SP) pela veiculação da campanha ‘Hello Kitty Fashion Time’ que erotizava meninas, além de edultizá-las. O comercial mostra quatro meninas passeando na rua, enquanto três meninos seguram placas dizendo “uau!!!”, “linda!” e “demais”. Na decisão, a desembargadora relatora Maria Laura Tavares destacou que a campanha “estimula uma erotização precoce, suscitando a ideia de necessidade de conquista/atração dos meninos, uma vez que, ao final do vídeo, as meninas passam por garotos que seguram cartazes contendo elogios à sua aparência física”.

Você já prestou atenção no comportamento das crianças à sua volta? Muitas delas, em especial as meninas, pintam as unhas, alisam os cabelos, usam maquiagens, se preocupam com o peso, querem usar salto alto e até manifestam o desejo de realizar procedimentos estéticos. Pesquisas sobre a imagem corporal de crianças apontam que as meninas apresentam maior insatisfação com seus corpos do que os meninos. Ao serem questionadas, elas indicam como ideal o corpo de atrizes e cantoras, um padrão que não representa a realidade da maioria das mulheres.

Assim como adolescentes e adultas, as meninas não apenas sabem que há corpos socialmente aceitos e corpos indesejados, mas também estão insatisfeitas com seus próprios corpos, em decorrência de tais pressões. Dados de um levantamento feito com meninas entre 9 e 10 anos, mostram que mais da metade delas gostaria de perder peso, e 36,58% faziam dietas para emagrecer.

Além disso, meninas realizam intervenções estéticas para atender o padrão proposto principalmente pela mídia e pela publicidade. Uma pesquisa realizada em 2011 com crianças de 8 a 11 anos, apontou que 84% das meninas entrevistadas frequentavam salões de beleza, 12% salões de beleza e clínicas estéticas e apenas 6% não frequentam nenhum dos dois. Entre os procedimentos realizados estavam corte de cabelo (84%), manicure (69%), maquiagem (54%), prancha (54%), escova progressiva (27%),  e retirada de excesso de pelos na sobrancelha (21%).

Atualmente, existem spas voltados para meninas, nos quais é possível festejar o aniversário com temas inspirados em unicórnios, bonecas ou ainda em festas de celebridades mirins, realizando massagens com pedras, ofurôs, oficinas de bijuterias, maquiagens, penteados, pintura de unhas e outras atividades que pertencem ao universo adulto.

Pensar os padrões estéticos impostos às mulheres desde a mais tenra idade é também refletir sobre quais meninas estão constantemente sendo invisibilizadas. Ao analisarmos as peças publicitárias, percebemos um perfil determinante: meninas brancas, com olhos claros, loiras e magras. Apenas como exercício exemplificativo, podemos nos perguntar: quantas meninas gordas participam de publicidades de brinquedos? Quantas negras estão representadas nas publicidades de calçados? Quantas não brancas, não loiras, não magras, estão representadas nas publicidades?

Outro exercício interessante para perceber a influência mercadológica sobre as crianças é refletir sobre os brinquedos oferecidos a elas. Geralmente, são anunciados produtos que acabam trazendo à tona o estabelecimento de papeis sociais nos quais as meninas são estimuladas a serem mães e únicas responsáveis por todos os cuidados com os filhos [bebês e bonecas] e com a casa [fogão, cozinha, utensílios domésticos].

Além disso, as bonecas de figuras femininas têm padrões estéticos inatingíveis e excludentes – como princesas e super-heroínas. Ao ler essa parte você deve ter imaginado uma boneca alta, magra, branca, loira, de olhos claros e cabelos lisos. Pois é. Quantas meninas que você conhece, essas bonecas representam? O quão violento é para uma menina, que não se encaixa em nenhuma dessas descrições, brincar com uma boneca que não a representa?

A superexposição de um padrão de corpo específico nos meios de comunicação também contribui para a criação de um imaginário coletivo estereotipado, assim, a mídia exerce um papel fundamental na construção de maus hábitos alimentares e padrões estéticos.  A comunicação mercadológica faz parte deste cenário, sendo que, devido ao forte apelo emocional, intensifica esse processo.

Assim, para que possamos, de fato, celebrar o 8 de março é necessário que voltemos o olhar para a infância, especialmente para que as meninas cresçam e se desenvolvam em ambientes seguros e livres da pressão estética e de todos os padrões e estereótipos que são impostos às mulheres desde tão cedo. Além de refletir sobre a condição das mulheres, precisamos garantir que as meninas não sejam expostas à erotização e à adultização, e possam viver a infância em sua plenitude.

 

 

* Amanda, Carla e Isabela são mulheres, foram meninas e fazem parte da equipe do Instituto Alana

Publicado em: 8 de março de 2019

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