O Dia das Crianças não nasceu consumista. Não foi e nem deveria ser pautado pelas promoções e grandes lançamentos de produtos infantis. Até porque, bem sabemos que o melhor interesse da criança não está em prateleiras de brinquedos, nem em vídeos de unboxing em plataformas digitais ou em anúncios disfarçados de recompensas e desafios nos jogos on-line. Muitas empresas exploram comercialmente as crianças o ano inteiro, mas a situação se agrava quando chegam as datas comemorativas.
A verdade é que o Dia das Crianças foi deturpado. Talvez possa se dizer até corrompido em função dos interesses do mercado. A efeméride, inicialmente idealizada em 1924, “como dia da festa da criança”, ganhou significado em 1940, por um decreto presidencial que dizia: “Constituirá objetivo principal dessa comemoração avivar na opinião pública a consciência da necessidade de ser dada a mais vigilante e extensa proteção à maternidade, à infância e à adolescência”. Bonito, né?
Proteger. Foi com esta palavra que o Dia das Crianças ficou marcado, mas, infelizmente, essa inspiração inicial acabou sendo deixada de lado. Com uma campanha publicitária para a “Semana do Bebê Robusto”, em meados dos anos 1950, da proteção fomos para a comercialização. Da consciência de sua vulnerabilidade, a criança virou tendência e oportunidade. Um público-alvo rentável para o mercado. Foi assim, que o dia 12 de outubro começou a ganhar forma e espaço no calendário comercial.
Atualmente, a data é uma das mais importantes para as vendas de diversos setores, em especial o de brinquedos. Estimular a economia faz parte da sociedade na qual vivemos hoje, porém, está cada vez mais evidente que isso não pode continuar sendo feito às custas de estratégias injustas de marketing dirigidas a crianças, o que chamamos de publicidade infantil. Até 12 anos de idade, crianças vivenciam uma fase peculiar de desenvolvimento e são, portanto, hipervulneráveis aos estímulos comerciais altamente persuasivos.
Com a migração expressiva dessa prática para o mundo virtual, estratégias como “recebidinhos”, unboxing, ou simplesmente vídeos divertidos de influenciadores brincando com um produto, estimulam a criança ao desejo de consumo de produtos e marcas. Cientes disso, várias empresas praticam publicidade infantil no ambiente digital de forma cada vez mais velada, tornando difícil até mesmo para um adulto identificá-la em meio ao conteúdo de entretenimento. Isso quando as empresas não promovem ações comerciais em outros espaços de convivência, como escolas, onde a criança sequer está acompanhada de seus responsáveis! São muitas as táticas injustas e ilegais usadas para atingir a criança com conteúdo persuasivo. E, quando a família menos espera, o efeito de todo esse investimento do mercado anunciante aparece: de repente, a criança está pedindo, insistentemente, por produtos e marcas a seus responsáveis.
No entanto, para muita gente, o Dia das Crianças continua sendo uma data de celebração da infância e dessa fase da vida tão importante, potente e inspiradora. A responsabilidade para com a proteção dos direitos da criança com prioridade absoluta e ao seu desenvolvimento integral, com ética e respeito cabe, de forma compartilhada, à família, ao Estado e à sociedade, incluindo as empresas. Por isso, nesse Dia das Crianças, o Criança e Consumo convida a todas e todos para se juntarem a este movimento em prol de infâncias livres do consumismo e dos impactos da publicidade infantil, para que todas as crianças e suas famílias saibam que o ser é mais valioso do que o ter.
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