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Fórum de Governança da Internet: Instituto Alana debateu proteção de dados pessoais de estudantes do Sul Global

Fórum de Governança da Internet: Instituto Alana debateu proteção de dados pessoais de estudantes do Sul Global

Entre os dias 28 de novembro e 02 de dezembro, o Instituto Alana, por meio do Criança e Consumo, participou da 17ª edição do Fórum de Governança da Internet (IGF), promovido pela ONU em Addis Ababa (Etiópia). O evento mobilizou centenas de atores da sociedade civil, empresas e governos de todo o mundo para falar sobre ambiente digital e os desafios colocados para sua governança. Durante o quinto dia de conversas – focado principalmente no Sul Global – o Criança e Consumo, em parceria com o Data Privacy Brasil, promoveu a mesa “Addressing children’s privacy and edtech apps” (discutindo a privacidade de crianças nos aplicativos de EdTech, em tradução livre).

A conversa foi moderada por Maria Mello, coordenadora do Criança e Consumo, e João Francisco Coelho, advogado do programa. E ainda contou com a relatoria da Thaís Rugolo, também advogada do Criança e Consumo. Além disso, participaram do painel Hye Jung Han, pesquisadora e advogada da Human Rights Watch, Rodolfo Avelino, professor do Insper, Marina Meira, da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa , e Nidhi Ramesh, adolescente indiana embaixadora da 5Rights.

Coleta de dados de estudantes feita durante a pandemia

O painel do Criança e Consumo convidou o público a refletir e entender melhor sobre EdTechs, ou seja, os aplicativos de educação on-line, tendo como premissa o modelo de negócios predominante nesses serviços –  baseado na coleta maciça de dados para criar perfis de usuários e segmentá-los com anúncios personalizados.

Um relatório da Human Rights Watch lançado recentemente aponta que a maioria dos aplicativos de EdTech coletam informações de alunos e as vendem ilegalmente, na maior parte das vezes a empresas que direcionam publicidade aos estudantes. Na conversa  do Fórum de Governança da Internet, Hye Jung Han, responsável pelo documento, ressaltou que essa indústria já vinha crescendo rapidamente, mas a pandemia de Covid-19 a impulsionou ainda mais, visto que governos e escolas em todo o mundo foram forçados a adotar estratégias de ensino remoto que acabaram sendo impostas aos alunos.

O fato é que esses sites e aplicativos educacionais desenhados para crianças estudarem usam técnicas de vigilância tão sofisticadas que, mesmo que você fosse o maior expert em segurança digital do mundo e quisesse proteger seus filhos, não conseguiria. Essa é a tamanha desproporção de poderes.

Hye Jung Han,
pesquisadora e advogada da Human Rights Watch

Jung Han ainda reforçou que não cabe apenas a famílias e educadores a proteção de crianças e adolescentes nessa situação. “A responsabilidade é dos governos e das empresas e como eles lidam com a privacidade infantil para, no final, serem capazes de proteger os jovens on-line”, disse a pesquisadora.

Colonialismo digital e o modelo de negócios das EdTechs

Quando nos deparamos com essa situação de coleta indevida de dados, é comum nos perguntarmos sobre os motivos pelos quais isso acontece. Rodolfo Avelino contou mais sobre a maneira com que as big techs, como Google e Amazon, monopolizam praticamente toda a Internet. Ou seja, a grande maioria das informações que estão no mundo digital passam por essas empresas. De acordo com uma pesquisa da Universidade do Pará, quase 80% dos e-mails das instituições de ensino da América Latina são de big techs – sendo 6 a cada 10 desses endereços de serviços do Google.

O modelo de negócios da Internet consiste na coleta de informações sobre o nosso comportamento para que os algoritmos possam prever o que faremos em diversas situações. Para que essa economia continue girando, empresas precisam expandir seus materiais de coleta de dados. Big techs como Google, Amazon e Facebook oferecem serviços de graça, mas que, em troca, coletam e usam nossos dados.

Rodolfo Avelino,
professor do Insper

Avelino, então, abordou a questão do “colonialismo digital“. Esse conceito pode ser explicado como o aprisionamento tecnológico no ecossistema digital de dispositivos eletrônicos, protocolos de rede, infraestrutura de computação em nuvem, linguagens de máquina e programadores. Ou seja, o monopólio de pouquíssimas big techs que influenciam os padrões tecnológicos e de serviços, principalmente no Sul Global

Exploração comercial infantil e EdTechs

A utilização de informações pessoais de crianças e adolescentes para explorá-los comercialmente já é algo abusivo – e ilegal. Porém, quando percebemos que essa coleta acontece em momentos de estudo, essa situação se agrava mais. Ou, ainda pior, quando EdTechs coletam essas informações por meio de seus serviços de educação, mesmo em momentos fora do horário de aula.

O motivo de usarmos tecnologias no contexto educacional deveria ser para ajudar a educação e a emancipação das crianças. Isso não tem nada a ver com vigilantismo em massa e uso de dados pessoais de estudantes para o direcionamento de publicidade. Ao contrário, essa exploração comercial mostra um claro desvio de propósito.

Marina Meira,
advogada do Data Privacy Brasil

Meira, em sua fala, abordou a longa lista de problemas que essa economia da atenção atrelada à exploração de crianças e adolescentes por meio de seus dados pessoais pode causar. A advogada citou desde vício a telas até manipulação no comportamento infantil.

Como crianças estão passando por um estágio de desenvolvimento e aprendendo a lidar com os seus desejos e instintos, elas podem ter ainda mais dificuldade (e digo isso pois nós, adultos, já temos dificuldade) em resistir a práticas manipulativas e viciantes da Internet.

Marina Meira,
advogada do Data Privacy Brasil

Voz protagonista desse cenário: crianças e adolescentes 

Não podemos falar de direitos de jovens sem ouvir eles. É por isso que, em seu painel no Fórum de Governança da Internet, o Criança e Consumo trouxe Nidhi Ramesh, uma adolescente indiana que havia recém completado 14 anos. Podcaster, escritora e blogger, Ramesh começou sua fala deixando claro que ela e todos amigos e conhecidos a sua volta já vivem conectados. Essa é realmente a realidade mundial, visto que ⅓ dos usuários de Internet no mundo são crianças e adolescentes

As mesmas empresas que nos entregam ótimas soluções, fazem isso apenas para seus interesses comerciais. Anchor, Amazon, Wix, Google… Quase todos esses serviços são gratuitos e também demandam pouca autorização parental para o seu uso on-line. Então, deveria haver uma negociação sobre o que eles estão ganhando em troca de nós, crianças. São todos nossos dados que estão sendo coletados e usados para os seus lucros.

Nidhi Ramesh,
representante de crianças e adolescentes

Ramesh ainda reforçou a necessidade de soluções multissetoriais para essa exploração comercial infantil que ocorre em todos cantos da Internet – mas, principalmente, nos serviços de educação.

O primeiro passo para proteger crianças on-line é estar ciente de quais dados elas estão entregando e como os aplicativos estão usando essas informações. Cheque a reputação da empresa, colha informações de outras famílias e educadores. Talvez professores deveriam ser treinados para ajudar estudantes a entenderem como manter seus dados seguros. Ainda, devemos ter políticas que obriguem empresas a coletarem apenas as informações necessárias – se isso não acontecer, que elas sofram as mais fortes consequências.

Nidhi Ramesh,
representante de crianças e adolescentes

Outros debates sobre direitos de crianças e adolescentes no Fórum de Governança da Internet 

Além do painel do Criança e Consumo, o IGF também gerou a oportunidade de compreensão sobre  como outros países estão enfrentando desafios para a garantia da proteção  de crianças e adolescentes no ambiente digital. Como foi o caso do debate “IGF 2022 Global Youth Summit” que buscou reforçar a importância de incluir as vozes das próprias juventudes nas discussões globais sobre a Internet. Ainda, em “Data privacy gap: the Global South youth perspective” e “Youthful approach at data protection in messaging apps”, foi abordada a importância da transparência por parte das empresas de tecnologia e das ações governamentais na questão da exploração comercial de crianças e adolescentes na Internet.

Já no debate “Affective Computing: The Governance challenges” foi possível colocar em pauta como a hipervulnerabilidade das crianças conectadas pode ser impactada pelas inovações tecnológicas que buscam assimilar e replicar as reações humanas. A mesa “Harmonising online safety regulation”, então, foi uma oportunidade para reforçar sobre os riscos da exploração comercial baseada em dados de crianças e adolescentes, sobretudo as do Sul Global, e que sustenta o modelo de negócios das big techs.

E, por fim, no painel “Gen-Z in Cyberspace: Are We Safe Online?”, foram levantadas reflexões sobre como as plataformas digitais precisam ser ativas na construção de um ambiente digital que respeite as múltiplas infâncias. Inclusive, durante o debate, o Criança e Consumo relembrou da importância da implementação do Comentário Geral nº 25 pelos países signatários para o estabelecimento da garantia dos direitos de crianças e adolescentes na Internet. 

Publicado em: 9 de dezembro de 2022

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