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Foto de um prédio da franquia McDonald's.

Decisão judicial sobre McLanche Feliz ignora direitos da criança

Foto de um prédio da franquia McDonald's.

Decisão judicial sobre McLanche Feliz ignora direitos da criança

Em 2011, o Procon de São Paulo multou em mais de 3 milhões de reais a empresa Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., conhecida como McDonald’s, após denúncia do projeto Criança e Consumo sobre a ilegalidade da estratégia publicitária adotada pela empresa na venda de lanche com brinquedo no McLanche Feliz. Em 2013, o McDonald’s entrou na Justiça para contestar a multa.

A decisão de multá-lo foi baseada na legislação brasileira vigente, que considera ilegal a publicidade que abusa da deficiência de julgamento e da experiência da criança, segundo o Código de Defesa do Consumidor. A lei também proíbe as empresas de se valerem da fraqueza ou ignorância do consumidor, em razão de sua idade, para vender seus produtos. Em 4 de abril de 2014, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que considera abusiva, entre outros, a “promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil”.

No dia 29 de julho 2015, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a sentença que anula a multa do Procon, fundado em argumentos que demonstram um profundo desconhecimento do desenvolvimento infantil, dos direitos da criança vigentes no Brasil e da defesa do consumidor, especialmente do artigo 37, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor. A decisão do órgão, segundo publicado no acórdão, está baseada em argumentos simplistas e elitistas como: “a sociedade brasileira se rege pelo modelo capitalista”; “cabe à família o poder-dever da boa educação dos filhos”; “crianças bem educadas no berço saberão resistir aos apelos consumistas” e “não deve o Estado sobrepor-se às obrigações primárias da família”. Reduzir a questão como sendo de competência exclusivamente familiar é ignorar o intenso debate público sobre o assunto.

Estudiosos e pesquisadores do mundo todo concordam que a criança não compreende a publicidade, não tem condições de responder com igualdade de forças a seus apelos, não tem condições de fazer uma análise crítica ou de ter discernimento para suportar os apelos de consumo das mensagens publicitárias. Renomadas instituições no Brasil e no mundo, como a ONU, OEA, OMS, OPAS, UNICEF, Conselho Federal de Psicologia, Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Educação e o Conanda já se posicionaram no sentido de que a criança precisa ser protegida do assédio do mercado no âmbito da comunicação mercadológica. Ainda mais quando se trata de publicidade de alimentos ultraprocessados, que, sabe-se também por diversos estudos, é um dos fatores que contribui para o aumento dos índices de obesidade e sobrepeso na infância.

Reconhecendo a importância destes estudos e dos malefícios da publicidade infantil, a Coca-Cola anunciou em 2013 o fim das suas propagandas direcionadas para crianças com menos de 12 anos, como parte de um plano de combate à obesidade. A Mars também assumiu um compromisso semelhante.

A garantia constitucional do artigo 227 traz a proteção jurídica especial e integral da criança, colocando-a como prioridade absoluta da nação, ou seja, o maior bem de todos, a ser cuidado e ter sua dignidade humana assegurada, com ampla garantia dos seus direitos à vida, saúde etc. O cuidado pelas crianças não é responsabilidade exclusiva dos pais ou da família, mas igualmente do Estado, da comunidade e sociedade – aí incluindo as empresas – dada a responsabilidade compartilhada prevista no mesmo artigo 227 e também no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Isso não significa ter um Estado paternalista, mas um Estado que faz o que deve fazer, como, no caso, legislar, regular e fiscalizar os abusos publicitários. Não se pode deixar a família sozinha tendo de fazer frente a todo esse bombardeio publicitário contra suas crianças. Vale ressaltar que o conceito jurídico de paternalismo corresponde à interferência do Estado na ação de um determinado indivíduo, limitando que ele cometa um mal contra ele mesmo, o que não se aplica ao caso em questão, já que a ação do Estado de regular e fiscalizar a publicidade dirigida à criança é uma medida protetiva, limitando o abuso e a exploração da infância.

A decisão do Tribunal de Justiça também demonstra falta de conhecimento da Defesa do Consumidor, na medida em que o artigo 37, parágrafo 2º, considera abusiva a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança. Apesar de citar outro julgado, o acórdão não se aprofunda no exame de legalidade das publicidades que geraram a multa. Mesmo não se limitando a analisar as exigências formais de aplicação da multa, não faz qualquer análise das publicidades comerciais que a geraram. E o que é pior, diz que a abusividade poderá acontecer se houver prejuízo evidente, conforme “a formação moral, intelectual, familiar e social do infante”, em um caso que diz respeito à potencialidade de dano difuso e coletivo.

A decisão reproduz uma ignorância com relação à profundidade do debate da publicidade infantil no Brasil, do qual fazem parte eminentes instituições, como os organismos internacionais e nacionais já mencionados, além do Ministério Público, Poderes Legislativo e Executivo e mais de 150 instituições da sociedade civil organizada.

Por fim, apresenta o Terceiro Setor, o universo das ONGs e especialmente o Instituto Alana, de maneira pouco respeitosa, desconsiderando a importância desses atores na construção e fomento de políticas em prol da infância. O Instituto Alana existe desde 1994, tem como missão honrar a criança e atua em várias frentes no âmbito da proteção da infância. A sua razão de ser é a criança brasileira, de todas as classes socioeconômicas, sem qualquer distinção, sejam elas “bem educadas no berço” ou não.

Entenda o caso:
Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda. (McDonald’s) – McLanche Feliz

Foto: via Flickr André P. Meyer-Vitali

Publicado em: 2 de julho de 2015

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