Foi arquivada a representação que denuncia estratégias de publicidade para crianças dos produtos da linha ‘Garagem S/A’, da empresa Candide.
Há um consenso entre diferentes setores da sociedade: a publicidade dirigida às crianças é abusiva e, portanto, ilegal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, em dois julgamentos recentes, em 2016 e em 2017, reconheceu a abusividade no direcionamento de publicidade ao público infantil. Algumas empresas também já se manifestaram nesse sentido, com diretrizes e acordos para restringir estas ações. Além disso, uma pesquisa mostrou que a maioria dos brasileiros é contra “qualquer tipo” de publicidade dirigida ao público infantil.
Apesar deste cenário, ainda é preciso sensibilizar a sociedade sobre os prejuízos decorrentes da publicidade infantil, dentre eles o consumismo. Recentemente, indo na contramão desse consenso, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor – DECON/CE, do Ministério Público do Ceará, arquivou uma representação encaminhada pelo Criança e Consumo, em 2015, que denuncia as estratégias de comunicação mercadológica realizadas pela empresa Candide Indústria e Comércio Ltda para promoção dos produtos da linha ‘Garagem S/A’.
Os anúncios televisivos da empresa utilizavam efeitos que confundiam o público infantil quanto à veracidade dos movimentos e manobras realizadas pelos carros de brinquedo. Na internet, a Candide seguiu direcionando a ação para crianças e criando situações fictícias. Na página inicial do site, por exemplo, a criança era levada a acreditar que estava pilotando um carro de corrida. O DECON/CE decidiu pelo arquivamento da denúncia sob o entendimento de que “a publicidade não pode ser considerada abusiva apenas por ser dirigida a crianças, sob pena de violar os princípios constitucionais de direito à informação e livre manifestação”.
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Contudo, ao contrário do afirmado na decisão, a restrição da publicidade direcionada à criança não fere princípios constitucionais e está prevista no artigo 37, §2º, que a considera abusiva, e, portanto, ilegal, quando se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança. Como mostra Marcelo Sodré, Procurador do Estado e conselheiro do Criança e Consumo, em seu artigo publicado no livro de 10 anos do programa, a Constituição Federal, ao referir-se à liberdade de expressão, não utiliza a palavra “comercial”, o que demonstra que a garantia de liberdade de opinião não abrange aspectos comerciais. Por outro lado, o termo “prioridade absoluta” é adotado ao tratar da proteção da criança. Portanto, não há conflito entre os dois direitos e a proteção da criança é prioritária.
O documento do DECON/CE afirma, também, que a publicidade no Facebook não seria dirigida a crianças porque a idade mínima para criar um perfil na rede social é de 13 anos, concluindo ser “dever dos pais supervisionarem os acessos de seus filhos menores a esses ambientes”. Todavia, é importante lembrar que não podemos transferir toda a responsabilidade de cuidar das crianças às famílias.
A legislação brasileira reconhece, no artigo 227 da Constituição Federal, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança seus direitos com absoluta prioridade. Além disso, uma pesquisa do CETIC de 2015, aponta que 63% das crianças usuárias de internet com idades entre 9 e 10 anos (9 a 17 anos) no Brasil possuem perfil em redes sociais. O percentual sobe para 79% entre as crianças com 11 e 12 anos. Tais dados demonstram que as crianças circulam livremente por esses espaços, ainda que sejam sites para indivíduos maiores de 13 anos.
O Criança e Consumo segue atuando para que os direitos das crianças sejam respeitados por todos, inclusive nas relações de consumo.
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