Decisão ocorreu após organizações em defesa da infância livre de interferências comerciais mobilizarem uma rede de cidadãos questionando o produto.
No dia 4 de outubro, a fabricante de brinquedos Mattel anunciou, nos Estados Unidos, o adiamento da oferta comercial do Aristotle, um dispositivo de inteligência artificial, desenvolvido para monitorar e interagir com bebês e crianças. O anúncio ocorreu apenas dois dias após a Campaign for a Commercial Free Childhood (CCFC) e o The Story of Stuff Project enviarem à empresa mais de 20 mil assinaturas em uma petição, instando-os a arquivar os planos de lançamento do dispositivo.
De acordo com comunicado da Mattel, a decisão de cancelar o lançamento se deu porque o Aristotle não está totalmente em linha com a nova estratégia de tecnologia da companhia, conforme relatou o jornal The Washington Post, no dia 4 de outubro.
Esta é uma oportunidade de reflexão acerca dos riscos e oportunidades oferecidos por dispositivos eletrônicos que contam com recursos avançados de captação de dados – como câmera, alto-falante e microfone – atrelados à capacidade de processamento e inteligência artificial.
Uma das principais preocupações envolvendo este tipo de dispositivo é, claro, com a privacidade das crianças. As questões neste âmbito giram em torno da capacidade dessas empresas em salvaguardar os dados coletados. Outra grande dúvida é como esses dados, que podem alcançar um nível altamente detalhado sobre uma criança e sua família, são compartilhados com parceiros comerciais.
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No caso do Aristotle, nos Estados Unidos, organizações da sociedade civil acionaram os senadores Edward J. Markey (Partido Democrata) e Joe Barton (Partido Republicano), que escreveram uma carta à Mattel fazendo perguntas importantes envolvendo a garantia da privacidade. A Mattel informou que seu plano era proteger com criptografia avançada os dados obtidos pelo Aristotle e não vender dados para anunciantes – conforme exigem as leis de proteção de dados nos Estados Unidos.
Mas o que aconteceria em outros países onde não há – por enquanto, pelo menos – legislações robustas que assegurem a privacidade de crianças e que, portanto, impeçam a exploração comercial de suas informações pelo mercado publicitário e pela indústria como um todo?
Para além da privacidade, especialistas apontam que a própria indústria não tem resposta, evidências ou pesquisas acerca dos impactos que entregar o desenvolvimento de uma criança a um assistente eletrônico com inteligência artificial pode ter.
A substituição de mães, pais e pessoas responsáveis por um dispositivo eletrônico quando uma criança está chorando; acordou à noite; quer uma leitura antes de dormir, brincar ou tirar suas dúvidas é algo ainda a ser mais amplamente estudado antes de qualquer lançamento comercial, apontam especialistas ouvidos no caso da Mattel.
Há muitas mães, pais e responsáveis precisando de ajuda na tarefa de cuidar e educar crianças da melhor maneira possível. E, no entanto, ainda restam muitas dúvidas de como o apoio dos dispositivos eletrônicos poderia ser mais adequado. Será que este é o cenário em que já seria aceitável a venda de dispositivos de inteligência artificial focados em crianças? Será que este é o momento em que os consumidores estão prontos e devem investir recursos para adquirir tais equipamentos? Essas são questões que valem a pena nos fazermos.
Foto: Reprodução/Mattel