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Foto de um livro em cima de uma mesa, o livro se chama: “Autorregulação da publicidade infantil no Brasil e no mundo”

Autorregulação só funciona com participação do Estado e da sociedade

Foto de um livro em cima de uma mesa, o livro se chama: “Autorregulação da publicidade infantil no Brasil e no mundo”

Autorregulação só funciona com participação do Estado e da sociedade

Análise do tema no Brasil e no mundo é apresentada em novo livro com pesquisa sobre os modelos existentes no mundo e análise do contexto brasileiro por especialistas

A autorregulação de agentes econômicos que favorece a participação social e conforma-se perfeitamente à regulação do Estado pode se mostrar útil e bem-sucedida em encontrar soluções normativas para o estabelecimento de limites éticos à publicidade. Esta foi a tônica preponderante na roda de conversa do lançamento do livro “Autorregulação da Publicidade Infantil no Brasil e no Mundo”, realizada na noite desta segunda-feira (26) na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, em São Paulo.

O debate se deu em torno da necessidade de se efetivar a proibição do direcionamento de publicidade à criança. Em vista do quanto dispõe a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), é certo que a publicidade dirigida à criança é proibida no Brasil. A autorregulação do tema poderia reforçar o espectro de proteção de hipervulneráveis nas relações de consumo, desde que feita em absoluta conformidade e respeito à legislação vigente.

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Entre os articulistas da publicação que compuseram a mesa de discussões, o professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Calixto Salomão, defendeu que a autorregulação serve para casos em que a regulação, diante da complexidade temática, é principista e requer desenvolvimento para clarificação e criação de regras concretas. Este é o caso da regulação da publicidade para adolescentes, em sua avaliação. Enquanto a regulação da publicidade para crianças é taxativa na proibição, no caso daquela direcionada a adolescentes, em que ainda há razoável assimetria informacional, mas maior capacidade de compreensão do sujeito receptor da mensagem, a norma legal é mais complexa e requer aprofundamento e detalhamento cuidadoso, que pode ser beneficiada pela autorregulação.

E, no entanto, reforça Salomão, mesmo em casos em que a autorregulação pode exercer um papel importante, é fundamental que permita a participação das partes afetadas. “Não há boa autorregulação se as partes afetadas não participarem do processo, via consulta pública, por exemplo. Na origem do modelo, era o próprio agente econômico que criava suas regras, mas agora, com seu desenvolvimento, é preciso ouvir as demandas da sociedade civil. E aí sim há boa fonte de clarificação dos princípios estabelecidos em lei, para transformá-los em regras”, afirmou.

Mas no Brasil, o modelo de autorregulamentação não é este. E, talvez pela baixa capacidade de atualização do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), setores do mercado investem em regras próprias, como observou a advogada e coordenadora do programa Criança e Consumo, Ekaterine Karageorgiadis, citando as conclusões do artigo de sua autoria no livro, acerca dos compromissos elaborados por empresas alimentícias. “Posso dizer que algumas empresas impulsionaram seus compromissos. Há o anúncio da indústria de refrigerante de não anunciar para crianças, há outros compromissos de grupos de empresas, inclusive com publicação de monitoramento por consultoria independente, que é algo que havíamos, nós da sociedade civil, pedido. Então é positivo, mas existem problemas de implementação”, ressaltou.

Ekaterine lembrou que a autorregulamentação de alimentos, sua área de especialização, quando foi implementada, era confusa porque utiliza diferentes e questionáveis critérios nutricionais. Ainda, é imprecisa sobre em quais meios e canais é permitido anunciar. “Quando nós vemos um canal pago, vendido como infantil, esperamos que esteja enquadrado como audiência majoritária de crianças. E, portanto, não utilizado para a publicidade desses alimentos. Ou seja, enquadrado nas regras de autorregulamentação. Mas não é o que observamos”, explica a advogada.

Em 2016, onze empresas de alimentos e bebidas revisaram suas normas para publicidade infantil e assumiram compromisso para regular a prática, utilizando critérios nutricionais unificados e pré-estabelecidos, baseados no Critério de Perfil de Nutrientes para Publicidade Infantil da União Europeia. “Há um avanço, mas claramente insuficiente. O compromisso não abarca toda a indústria. Além disso, deixa de fora práticas de comunicação mercadológica menos tradicionais no passado, como as realizadas em espaços públicos e canais de YouTube”, afirma Ekaterine. É o caso, por exemplo, de campanhas de marketing realizadas em parques no período de Páscoa, como observamos ao longo do mês de março. Além disso, ações em escolas continuam sendo realizadas por várias empresas.

De acordo com o advogado e coordenador do programa Prioridade Absoluta, Pedro Hartung, um dos autores do livro, o espaço para a participação da sociedade civil na autorregulação de agentes econômicos não se verifica no caso do Conar. Existe uma baixa diversidade entre os que ocupam posição no conselho. Em grande maioria, a entidade é composta por pessoas da indústria publicitária, o que leva à baixa representatividade das demais partes interessadas e dos afetados. Este pode ser um dos fatores que levam ao problema identificado por Hartung, de falta de isonomia entre consumidores e empresas no modelo do conselho.

“O Conar funciona muito bem, mas apenas para disputa entre empresas, e não responde aos anseios por modernização das regras da sociedade. Aliás, em 2014, o Conar fez duas ações de propaganda ridicularizando a sociedade civil e os consumidores que tentam participar do processo de discussão dos limites éticos e das regras da autorregulamentação. Isso mostra que ainda não atualizou o seu modelo, de desenho institucional, para permitir acolher as ações dos consumidores”, apontou.

Além disso, a ausência de medidas de sanções econômicas aos infratores, a falta de celeridade nos processos, a baixa representatividade nacional, bem como a baixa representatividade entre pequenas e médias empresas são fatores que afetam a efetividade de uma organização que pretende estabelecer a autorregulação de um mercado tão pulverizado e impactante como o publicitário. Também afeta a possibilidade de agir para a defesa dos consumidores a dupla função do Conar, de fiscalizar os agentes econômicos, bem como defender seus interesses.

Isabella Henriques, diretora de Advocacy do Alana e organizadora do livro, explica que a conclusão da pesquisa de modelos autorregulatórios no mundo, apresentado na publicação, indica que uma autorregulação será potente e funcionará se for feita após a criação de uma regulação muito forte, que dê limites muito claros sobre como a autorregulação pode funcionar. “É importante, para ser bem-sucedida, que haja relação entre regulação e a autorregulação, que o Estado possa fiscalizar e impor sanções. É este modelo que tem se desenvolvido mundo afora com resultados positivos”.

Para Veet Vivarta, consultor da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e organizador do livro, um dos problemas enfrentados para a regulação da publicidade direcionada a crianças é que não apenas as empresas e agências de publicidade resistem a avanços neste campo, mas os meios de comunicação, também impactados por normativas nesta linha, se negam a aceitar qualquer tipo de regulação.

“A mídia tem um poder tão grande, ela impede o avanço de ferramentas democráticas para aprofundar os instrumentos democráticos. O poder da mídia é tamanho que passam a controlar o que a sociedade e o governo dizem e podem dizer sobre a mídia, o que gera uma censura às avessas”, avalia Vivarta. Ele lembra que até hoje, apenas 5% dos artigos da Constituição Federal, de 1988, que tratam da comunicação social foram regulamentados e, justamente, apenas que interessava aos veículos: o de participação do capital estrangeiro. Para ele, este é um entrave a ser enfrentado para garantir que a publicidade não seja, de fato, direcionada a crianças como estabelece o Código de Defesa do Consumidor e a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes.

A roda de conversa sobre autorregulação contou ainda com a mediação de Gabriella Dorlhiac, Senior Policy Advisor da Câmara de Comércio Internacional (ICC) no Brasil. O livro “Autorregulação da Publicidade Infantil no Brasil e no Mundo” é fruto de uma parceria entre o Instituto Alana, por meio de seu programa Criança e Consumo, a ANDI – Comunicação e Direitos e o Harvard Law & International Development Society (LIDS), da Universidade de Harvard (EUA). A obra, publicada pela editora Verbatim, está à venda nas livrarias.

Veja fotos do encontro:

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Publicado em: 5 de abril de 2018

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